sexta-feira, 10 de julho de 2009

As Plantas e a Engenharia Natural ao serviço da Restauração Ecológica e da Conservação da Natureza

Vasco Rocha – Associação Portuguesa de Engenharia Natural
O planeamento, construção e gestão de espaços tendencialmente sustentáveis, exigem princípios de orientação baseados na optimização das potencialidades dos sistemas vivos enquanto materiais de construção e a sua modelação às actividades humanas.
A exigência de proteger os recursos naturais e restaurar as funcionalidades ecológicas do território, constitui actualmente um imperativo para a compatibilização dos usos e das actividades humanas com o equilíbrio dinâmico dos sistemas naturais.
As acções de intervenção no espaço pensadas para melhorar as condições de vida das populações, preconizam frequentemente a introdução abusiva de sistemas artificiais estáticos, quer seja ao nível de tipologias de construção quer ao nível da utilização de espécies exóticas, que contrariam o natural processo contínuo e mutável do espaço.
No sentido de garantir o equilíbrio e a funcionalidade dos espaços naturais, importa promover a articulação entre os objectivos funcionais, ecológicos e paisagísticos das alterações do homem no espaço e a avaliação precisa e rigorosamente fundamentada de todas as componentes ecológicas, clarificando deste modo quais os problemas e as soluções possíveis a implementar.
É neste contexto de sustentabilidade que se afigura a Engenharia Natural, como uma disciplina que conjuga as técnicas e métodos de engenharia tradicionais e as potencialidades da vegetação, em intervenções construtivas de baixo impacte ambiental.
Definição
Por Engenharia Natural (Ingegneria Naturalística-Itália; Ingenieurbiologie-Alemanha, Áustria e Suiça; Ingeniería del Paisaje-Espanha, …) entende-se uma corrente técnico-científica multi (inter-) disciplinar, que utiliza fundamentalmente material vegetal vivo como material de construção, recorrendo às suas características biotécnicas (acções mecânicas do sistema radicular/cobertura vegetal) e fazendo uso dos seus elementos constituintes, como raízes, estacas e rizomas, em intervenções antierosivas e de consolidação, geralmente em combinação com outros materiais (madeira, pedra, palha, redes metálicas, mantas orgânicas, ….).
A Engenharia Natural teve origem como disciplina, no período compreendido entre o final do séc. XIX e início do séc. XX, na Europa central e alpina, sobretudo na Alemanha, Áustria (onde nasceu H. M. Schiechtl, “pai” da Engenharia Natural moderna) e Suiça.
O seu campo de actuação abrange uma temática diversificada como, o revestimento vegetal de uma área degradada, a consolidação de taludes e a estabilização de encostas, a defesa das margens de cursos de água, a protecção dunar, entre outros.
Objectivos
Os objectivos da Engenharia Natural, são fundamentalmente os seguintes:
1. técnico-funcionais: relativos à eficácia de uma intervenção antierosiva e de consolidação de uma encosta em erosão, margem ou talude estradal;
2. ecológicos: contraria a vulgar cobertura a verde de uma sementeira, pois pretende-se a reconstrução da cobertura vegetal preconizando a utilização exclusiva de espécies autóctones, correspondentes à faixa fitoclimática do local de intervenção e que apresentem as adequadas características biotécnicas;
3. paisagísticos: integração da intervenção na paisagem, através do emprego das espécies vegetais locais;
4. económicos: enquanto estruturas competitivas e alternativas às intervenções clássicas (exemplo: substituição de muro de gravidade em betão por muro de suporte vivo em caixa de troncos);

As intervenções de baixo impacte ambiental diferenciam-se daquelas levadas a cabo pela engenharia clássica, principalmente devido à relevância dada às condições da estação ecológica, sobretudo no que diz respeito aos parâmetros relacionados com o desenvolvimento da vegetação.

Geralmente, adoptam-se os métodos fitossociológicos, tendo como referência as associações vegetais presentes no território nacional. Contudo, dada a ausência frequente das associações autóctones nos locais de intervenção; utiliza-se como base a vegetação potencial e em particular, as séries dinâmicas que mais se adequam à intervenção.

Igualmente se dá importância ao tipo de reprodução das espécies, sendo utilizadas vulgarmente espécies que se reproduzem por propagação vegetativa, como os géneros Salix, Tamarix, Nerium, Atriplex, entre outros.
Interdisciplinaridade
O sucesso actual da Engenharia Natural em vários países da Europa como um instrumento fundamental nos processos de planeamento e ordenamento do espaço, resulta principalmente do seu carácter transversal pois assenta nos conhecimentos de vários sectores técnico-científicos, fazendo uso dos dados técnicos de análise e de cálculo por eles fornecidos (topografia, pedologia, geotecnia, hidráulica, biotecnia da vegetação, …).

Conclusões
Uma vez que constitui uma realidade com uma ténue expressão prática a nível nacional (embora constitua área de estudo de algumas formações académicas, principalmente da Licenciatura em Engenharia Biofísica leccionada na Universidade de Évora), é extremamente relevante a divulgação das potencialidades da Engenharia Natural, como uma tendência alternativa e inovadora de intervir em quaisquer projectos que tenham o espaço como objecto de trabalho.
A sua raíz multi-interdisciplinar estabelece o território como um sistema, impondo a todos os que nele operam, uma visão oposta ao sectarismo e uma convergência das várias correntes científicas, de modo a solucionar as diferentes questões de uma forma competente e sustentada.

Por estas razões, constituiu-se recentemente a Associação Portuguesa de Engenharia Natural (APENA - www.apena.pt), vocacionada para a partilha do conhecimento nos diferentes domínios de acção e aberta a um diálogo que se pretende activo e evolutivo.
Referências
Cornelini, P. e Sauli, G. (2001). L’ Ingegneria Naturalistica nelle aree mediterranee. Interventi di Ingegneria Naturalistica nel Parco Nazionale del Vesuvio, Ente Parco Nazionale del Vesuvio, San Sebastiano al Vesuvio, Napoli, Italia.
Fernandes, J.P (1987). O Projecto construtivo em Engenharia Biofísica. Universidade de Évora, DPBP, Évora.
Schiechtl, M.H. & Stern, R. (1992). Ground Bioengineering Techniques for slope protection and erosion control. Blackwell Science Ltd, UK.
Tremoceiro, J. (1999). Projectos de Engenharia Biofísica I e II. Universidade de Évora, DPBP, Évora.
APENA
www.apena.pt
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